quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O Futuro é Agora - Parte 10 - Vovô e Eu.

...era o nome de uma novela mexicana do tempo em que existia novela. Não sei porque diabos lembrei disso agora, mas parece que minha memória está melhorando (?). Entramos no carro e Otto trava uma imagem de satélite no GPS: o desmanche do Valim. Temos pouco menos de 4 minutos e o treco fica longe pacas. Traçamos uma linha reta e Lucio pisa fundo.

- Qual é o plano de abordagem? - Pergunto.

- Hã?

Cruzamos a cidade como um míssil. Não preciso gastar meu latim perguntando de novo. Tudo parece simples e óbvio quando vejo o sorriso sacana no rosto sem pêlos do Otto.

Colisão. Ejetamos no último segundo e uma grande explosão surge do encontro enamorado entre o veículo de Otto e a fachada do desmanche. Minha vida mal passa diante dos meus olhos e meia dúzia de desesperados já atiram em nós, enquanto descemos de paraquedas. Otto distribui balas pra todo lado e chama toda a atenção para si, descendo no meio do bolor. Guio minha descida para os fundos do galpão e acabo aterrissando em um enorme cemitério de carros. Ouço o portão se abrindo e um monte de capangas gritando em um espanhol chinelo. Ouço passos e armas se engatilhando. Não conheço o terreno e estou cercado por toda sorte de sucata. Tenho o Cougar na mão e sua bateria acaba de morrer. Sou o cara fodido e mal pago que a lenda prega.

Regra de combate Nº 4 para terrenos desconhecidos segundo o programa da Sasha: suba no ponto mais alto e visualize o campo de batalha. Boa idéia. Escalo uma montanha de carros e torço para não fazer barulho. Subo e me escondo dentro da carcaça de um Volkswagen Jetta. Quem é que eu conhecia que tinha um carro desses mesmo? Ah, não importa. Estou bem colocado e vejo os guerrilheiros do Valim percorrendo os corredores de sucata como fantasminhas de Pac Man.

E acabo de ver minha pastilha mágica: o Vovô. Inteiro. Estacionado. Estranhamente reluzente. Nosso objeto de resgate está aqui, escondido e bem longe de qualquer incinerador. Poderíamos ter chegado calmamente e negociado o carro com o Valim, mas o Holandês Voador tinha que mentir e nos meter nessa furada. Devo mais essa para o queixo de metal e agora é tarde pra chorar pitangas. Vou fazer uma aposta e espero que o Otto não me decepcione.

Dou um salto para a pilha de carros mais próxima, em direção ao Vovô, e perco o elemento furtivo com o barulho. São oito pilhas de carros e na segunda já estão atirando em mim. Bala, bala, bala pra todo lado em uma maratona aérea com obstáculos. Na última pilha, não consigo frear e caio em cheio no teto do Vovô. Agradeço aos céus por não ter quebrado a bacia e me jogo pra dentro do carro. Tenho uns 30 segundos antes dos capangas do Valim chegarem aqui.

- Vamos Lúcio, não me deixa na mão.

Não há chave na ignição, mas não é isso que estou procurando. Porta-luvas vazio. Como não depenaram o Vovô, me pareceu lógico que qualquer dispositivo ou surpresa que o Otto tenha acoplado ao carro nos tempos de crise ainda estaria por aqui. Tateio as portas, tiro os tapetes, procuro no teto. Nada. Banco traseiro. Não lembro do antigo Vovô ter isso. Levanto o banco traseiro e encontro um verdadeiro arsenal militar. Pistolas, trabucos, bombas, aparatos eletrônicos e ...ora, ora, ora...o que temos aqui...

Tenho certeza de que, quando chegaram no Vovô, eles acreditavam que iam encontrar um Tio da Sukita desarmado hasteando uma bandeira branca. Ledo engano.

- Ho-ho-ho. Agora eu tenho um lança-chamas, seus filhos da puta. – eu sempre quis dizer isso.

Sou o monstro de fogo. O próprio juízo final ambulante. Minha voz deve estar soando como a Marcha Imperial para esses pobres diabos enquanto esquento as bundas deles. Um, dois, quinze...a medida que chega mais capangas, mais eles se transformam em fogueiras com pernas, correndo inutilmente pra qualquer lado enquanto são consumidos pelo fogo. Só paro de apertar o gatilho quando não ouço mais gritos ou o combustível do lança-chamas termina, o que acontece mais ou menos ao mesmo tempo.

Ao longe, vejo o portão se abrir e Otto surgir por ele. Aceno e percebo que ele tem algo nas mãos.

- Ei, isso é...

Otto me joga o objeto e eu aparo. É a cabeça do Valim, com os olhos revirados para cima e a boca escancarada.

- E eu achando que estava barbarizando aqui...

- É uma parte do teu pagamento. A cabeça dele tá a prêmio em Caxias. Pode render uma grana.

- Já sei até quem pode me dar uns trocados por isso.

- Onde conseguiu este lança-chamas?

- Ah, desarmei um deles. O resto foi fácil. – Mentira.

- O Vovô não está lá fora.

- Nem aqui. Já dei busca total. - Mentira, mentira.

Otto me olha sério. Observando. Procurando por algo. Se eu estiver certo, ele vai cagar para o Vovô e dizer que temos de achar uma pessoa.

- Paciência. Vamos. Temos de achar uma pessoa.

- Quem? – Bingo.

- Um velho amigo.

Se ainda existisse um Oscar, ele seria meu. Às vezes é uma merda quando se está certo. Mas agora é tarde. Relaxa, Pedroso. Deixe o Vovô escondido, acompanhe o homem, faça uma piada para quebrar o gelo...

...e depois meta uma bala na nuca desse animal...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Provérbio...

Noite passada, fui o pato em uma mesa de poker...

...e descobri que a máxima "Azar no jogo, sorte no amor" é verdadeira.

Vote em mim.

Nesta semana resolvi bancar o candidato e colocar a casa em ordem. Clima de eleição, sabe como é. Talvez a culpa seja do horário de verão, que sempre me deixa em 220V. Muita gente fica com seu relógio biológico sequelado e grandes bochas logo abaixo dos olhos apenas por acordar uma hora mais cedo, mas eu considero a sensação de dias mais longos (tempo para fazer as coisas) e noites mais longas (tempo para se divertir com as coisas) um presente.

No lugar de "casa", na verdade, leia-se "projetos". O primeiro, um conto do Rubem Fonseca que fiquei de roteirizar e estava na página 9 faz um tempão. Em uma tarde, conclui o trabalho com 21 páginas de brutalismo de ótima qualidade. Tudo bem, sou suspeito. Ficou de ótima qualidade no 4º tratamento, que ajeitei em mais dois dias. Ninguém é perfeito, diria o clichê.

Ainda na linha cinematográfica, obstinação e estratégia de encheção de saco logo culminarão com a conclusão do curta-metragem Os Batedores. Telefonemas diários lembrando o Diretor da minha existência irão garantir isso. Já comecei o processo no domingo passado. Alguns telefonemas e e-mails por dia. Tenho uma vítima e um telefone, e não tenho medo de usá-lo.

Enquanto sincronizamos nossas agendas, aproveito para brincar no SpringBoard, um programinha tosco de Storyboard que vai me ajudar a colocar algumas idéias do roteiro numa narrativa visual coerente. Comecei agora, mas já consegui meio que ilustrar umas 4 páginas do roteiro citado anteriormente. Pra quem não sabe, Storyboard é uma espécie de "quadrinização" do roteiro de cinema ou TV, que dá uma ótima noção de enquadramento e movimentação de cena para a equipe e elenco. Diretamente, mostra ao pessoal como o diretor idealiza o filme visualmente falando. Sim, Sem 666 Palavras também é cultura.

Um livro que um amigo meu me emprestou faz um tempinho finalmente voltou a fazer parte da minha rotina nesta segunda-feira passada. Eu tinha parado na página 57 e ele tem 448 páginas, Mas graças ao Turbo ON, já estou terminando a bagaça. Dou mais detalhes sobre ele assim que terminar de lê-lo, em um texto exclusivo.

Nas entresafras, ando baixando episódios dos seriados que acompanho, selecionando e baixando algumas Scans indicadas, organizando os arquivos do micro (incluindo o que considero a coisa mais complicada do mundo: arrumar as músicas), resgatando DVDs que andavam emprestados (hoje mesmo fui resgatar um box de Seinfeld e acabei voltando com um box de Dallas (?), vai entender...), transportando meus livros para a nova morada...enfim, esta semana foi cheia, mas estou em Turbo ON, e semana que vem tem mais coisas vindo aí...

Esta administração faz. Esta administração mostra.

Obs: Qualquer semelhança deste slogan com o de uma famosa marca de sabão em pó é mera coincidência.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Abrindo contagem...

Recém chegada de uma "turnê" de duas cidades pelo nordeste brasileiro, uma amiga minha trouxe inúmeros objetos e curiosidades a respeito deste povo de pele curtida, joelhos grandes e cabeça chata (ela jura que, em Alagoas, a peculiaridade cefálica não é pelo tamanho e sim pelo formato, enfim...).

Entre bonecos de barro do Lampião e Maria Bonita ("bonita" apenas no nome, pois são feios de dar dó) e Bois-Bumbá coloridos (estes bem bonitinhos e até ganhei um de presente por ser um bom amigo), uma das informações, que eu desconhecia até então, me chamou bastante a atenção: em Recife, capital de Pernambuco, a criminalidade é tão incontrolável que há um Body Count no centro da cidade, decorando a paisagem. Esta moça, que andou se borrando de medo pelas ruas daquela cidade, comentou que há apenas três lugares NO MUNDO que possuem tal contagem de mortos institucionalizada por ONGs: Recife, Rio de Janeiro e Iraque.

É claro que tudo começou em 2003, quando G. W. Bush invadiu o Iraque e tentou instaurar uma "democracia" no lugar. Um grupo voluntário resolveu fazer a conta de quantos mortos a brincadeira americana ia resultar e criou o Iraq Body Count, que tenta fazer um relato milimétrico (com nomes dos desafortunados, formas de morte, etc...) das vidas perdidas de forma violenta no Iraque. A idéia meio que pegou e não demorou muito para que abrissem a contagem no Rio de Janeiro e, logo depois, em Recife.

Para se ter uma leve noção, A Delegacia de Homicídios de Porto Alegre registrou 525 homicídios na capital gaúcha em 2007. Não achei os números de 2007 para Recife, mas o BC nos dá o número de 3383 assassinatos (de janeiro à outubro de 2008) na capital pernambucana, cuja população atual gira em torno de 1,55 milhões de habitantes (enquanto a de POA é de 1,43 milhões). Só hoje (até este momento no qual digito este texto), 17 pessoas foram mortas de maneira brutal em Recife.

Bem, é complicado tirar algo bom desse caos. É muito triste constatar que, a cada dia, a sociedade anda cada vez mais próxima de uma crise cuja única solução será a derrocada de nossas convicções de certo e errado para proteger as migalhas que estaremos chamando de "segurança".

Usamos números digitais para ilustrar as contagens, mas estamos voltando ao tempo das cavernas.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sobre o Inimigo.

Se olharmos muito tempo para dentro do abismo, o mesmo olhará de volta para dentro de nós. Ele nunca leu Nietzsche, mas o Google leu, e o Google tudo sabe, o Google tudo vê. Há uma certeza intríseca de que o tal abismo possa ser uma metáfora para o espelho. Uma metáfora dentro de outra metáfora. Um universo de metáforas por causa de uma simples pergunta. Se cada coisa simples esconde um universo, então.

O que é um inimigo? Seria fácil dar exemplos. Apresentar fantoches. Gráficos. Cerrar os dentes e incinerar o mundo. Há inimigos em todo lugar. Nos ameaçando incessantemente. Mas a simples pergunta deixa de ser simples quando feita por um garoto de cinco anos. Hã. Hunnn. Veja bem. Ele tem a manha com crianças. Jura que tem. Mas por onde começar? Como responder a pergunta mais difícil que já lhe fizeram? Como definir um inimigo sem criar um pequeno monstro?

Começou falando sobre atentados à vida e à liberdade. Ignorou que estava conversando com uma criança. Voltou à lucidez. Pediu caridosamente para o garoto de memória prodigiosa esquecer aquilo. Então pensou em como um dicionário o faria.

Inimigo = Adversário: Não. Crianças jogando futebol são adversárias umas das outras, mas nunca inimigas.

Inimigo = Não amigo: Se encaixaria bem, se ele fosse um gângster.

Inimigo = O Diabo: Se encaixaria bem, se ele fosse evangélico.

Inimigo = Quem está contra você: Neste contexto, poderia ser seus pais, avós, irmã, professora, animal de estimação.

O leque estava se fechando. Observou então que tal resposta não estava no dicionário. Lembrou do abismo, que o fazia lembrar do espelho. Alguma máxima da auto-ajuda que prega que seu maior inimigo é você mesmo. Sendo um espelho o mais próximo que conhece de um abismo, acreditou que você poderia ser seu maior inimigo. Por se boicotar. Por fazer escolhas erradas. Por ser responsável direto da sua própria vida e, portanto, responsável direto por alguma merda que aconteça com ela. Um adulto não levaria ao pé da letra e entenderia a metáfora. Esperar isso de um garoto de cinco anos não era sadio. Quem sabe quando ele tiver dez anos.

Alguém ou alguma coisa que nos faz mal deliberadamente. Usou uma palavra menos complicada que "deliberadamente", mas foi o mais próximo do que entende por inimigo que conseguiu explicar ao garoto. Havia travado uma batalha mental para chegar nesta resposta quase satisfatória. O menino entrelaçou suas pequenas mãos atrás das costas. E respondeu pra ele que "não sabia se tinha gostado da pergunta". O garoto quis dizer que "não sabia se tinha gostado da resposta", mas ele ainda era uma criança de cinco anos.

O assunto terminou ali. Por ora. O menino conseguiu um picolé de morango. E ele conseguiu mais cinco anos para elaborar uma resposta melhor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Everybody lies.

Nada mais justo que, no primeiro parágrafo que escrevo sobre seriados neste blog, fique evidenciado a fascinação que tenho por este tipo de narrativa. Adoro séries. Gosto da forma como nos aprofundamos nos personagens episódio após episódio. Como novela para as grandes massas, só que melhor.

Algumas delas já são "hors concours" na minha preferência. Todas americanas. Bom, seria hipocrisia dizer que os americanos não são os melhores neste ramo, certo? Mas confesso que não é difícil de me conquistar: basta ter excelentes roteiros. Se eu fizesse uma ordem de importância, diria que em primeiro lugar vem os roteiros, depois atuações e depois a produção. Podemos até ter uma produção que não se esmere tanto (Seinfeld, por exemplo), ou atuações boas (mas não excelentes, vide Heroes), mas se não possuir roteiros MUITO bons, logo descarto. Tudo bem, talvez não seja tão fácil assim de um seriado me conquistar, mas alguns conseguiram.

Nunca gostei da categoria "seriados de hospital" (ER, Chicago Hope, Grey's Anatomy, blá, blá, blá...), mas comecei a assistir House M.D. por indicação de diversos amigos.

Exibida no Universal, a série conta a história do Dr. Gregory House e sua equipe no departamento de diagnósticos do Hospital Princeton-Plainsboro, em New Jersey. Seria mais um seriado de hospital convencional SE o Dr. House fosse um médico convencional. Seu cinismo, sarcasmo e modo manipulador de ser resultam em conflitos frequentes entre ele e sua equipe. A expressão "Everybody lies" (usada por ele em vários episódios para definir seus pacientes) nos dá a noção de sua misantropia. Alie a tudo isso o vício por Vicodin e uma perna manca e teremos um amor de pessoa.

House caga na cabeça de seus subordinados, caga na cabeça de sua chefe, caga na cabeça de seu único amigo e caga na cabeça de seus pacientes. Ele seria um filho-da-puta completo se não fosse por um detalhe: House é um gênio. Dotado de extrema perícia para elucidar casos clínicos aparentemente sem solução, o médico utiliza de métodos nada recomendáveis para salvar a vida de um paciente. Invasão a domicílio e confronto direto com pacientes e familiares são seus preferidos. Tortura também vale. Para House, os fins justificam os meios.

A produção da série é primorosa, embora a maior parte da ação se passe dentro do hospital. As atuações são muito especiais, destacando-se, claro, o ator britânico Hugh Laurie ( que venceu o Globo de Ouro em 2006 e 2007 como Melhor Ator de Série Dramática), que imprime em Gregory House uma miserabilidade genuína. Os roteiros são pérolas e exploram esses relacionamentos entre House e um hospital que é obrigado a suportar sua presença porque ele é simplesmente o melhor médico do lugar. Exploram os dramas e mistérios de doenças desconhecidas, raras, ou as vezes tão simples que a resposta estava ali o tempo todo. Exploram nuances, situações e ponderações de e sobre um homem cuja origem de sua amargura, embora a primeira vista pareça óbvio, pode ser tão obscura quanto seu jeito de ser.

Comecei a assistir na semana passada e estou devorando (já estou indo para a 3ª Temporada, atualmente está na 5ª). A quem interessar possa, o blog Brazil Series traz mais informações técnicas, curiosidades e links para baixar todos os episódios em RMVB.

Agora com licença que irei ali ver mais um episódio...