terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Pesadelo.

Nao é um título otimista. Porém, não há outra forma de descrever este exato instante. Não. Não se trata de momento de vida. Instante mesmo. Este minuto que passo acordado e tentando desesperadamente não dormir. Já bebi mais de dois litros de café. E prossigo. Pra tentar me distrair e não deixar o sono vir, trabalho. Deixo o MSN aberto. Alguns contatos estranham que eu esteja ON às 3 da madrugada. Uma amiga vem me dizer que está feliz. Faço de tudo pra não estragar este momento dela. Definitivamente, ela não precisa estar a par do meu drama num horário tão ingrato. Esta moça já tem problemas suficientes para transpor. Ela com os problemas dela. Eu com os meus. Ela foi dormir. Com um sorriso de orelha à orelha, com certeza. Eu continuo aqui. Sem sorriso. Mais café.

Noite anterior. Conforto do meu quartinho diminuto. Boa piada. Barulho do ventilador e a pressão de um aposento sem janelas. Escuridão. Logo me vejo numa sala iluminada com muitas pessoas sem rostos. Elas conversam entre si. Não sei qual é o evento, mas logo descubro. Um caixão é trazido e colocado à minha frente. Um velório, que beleza. Me pedem para pôr a tampa no esquife e dou uma olhada na defunta. Uma prima-tia que não vejo há uns anos. Seu rosto grotescamente contorcido. Olhos entreabertos. Coisa feia de se ver. Uma ótima desculpa para lacrar de vez o caixão. Quando seguro a tampa, eis que a mulher se mexe. Penso que é ilusão de ótica. Pisco forte. Ela se mexe mais. As pessoas começam a gritar e eu perco a voz. Tenho uma visão horripilante quando ela tem espasmos na minha frente e geme de dor. O rosto ainda contorcido. Cheio de veias azuis. Olhos embaçados de branco. Ouço a voz dela descrevendo o que ela sentia ao voltar da morte. Dor. Dor. Dor. Sentia-se pregada. Literalmente.

Acordei ofegante e suando. Pacote completo. Era 4 da manhã. Peguei um cobertor e me aninhei. Braços em volta da cabeça. Olhos abertos. Não consegui mais dormir. Depois de 24 horas acordado, ainda vejo o rosto medonho quando fecho os olhos. Vou pegar mais um copo de café. Volto.

Como uma criança medrosa, não quero dormir.

sábado, 26 de janeiro de 2008

E de lá pra cá...

O ano vai passando. Como uma bala. Mal piscamos e fevereiro está logo ali. Havia prometido que atualizaria o blog duas vezes por semana. Mais uma promessa quebrada. Definitivamente, estou ficando bom nisso. Pergunto-me se alguma vez já cumpri alguma coisa que havia prometido. A resposta é conflitante. Prefiro não pensar no passado. O passado passou. Já era. Finito. Para pessoas como eu, é melhor que seja assim. Não que eu seja mal, claro. Mas parafraseando algo que me disseram nesta semana, não sou uma “boa pessoa”. Meio egoísta. Oportunista, quase. Há quem admire isso, tenho certeza. Em algum lugar do interior da China, talvez. Um pobre diabo amarelo com sua tigela de arroz amarelo e seu sorriso amarelo pensando no quanto admira os oportunistas. Uma pena. Não estou na China.

Graças a um ataque de oportunismo, consegui fechar um belo acordo, profissionalmente falando. Não vou ganhar um tostão a mais do que ganho, mas continuarei com meu fixo e terei tempo para correr atrás da máquina por fora. Há quem tenha brindado a isso. Colegas da Cont 303, que torcem por mim erguendo seus copos e batendo eles uns nos outros. Ainda iludidos de que sou uma alma iluminada. Tá certo. Com eles eu nunca aprontei. E como são meus amigos, com eles nunca aprontarei. Continuarão iludidos. Fazer o quê.

Fácil fazer pose de mau. Está na moda. Até os vilões nos filmes e desenhos animados têm os uniformes mais bacanas. Mas noite dessas vi um homem sem cabeça. Um ônibus parado e este cidadão deitado atrás dele. Corpo inteiro. A cabeça espalhada por mais de três metros de asfalto. Como um conto que li certa vez (e que o autor queria que eu roteirizasse), o pessoal esticava o pescoço para ver algo atrás da faixa dos peritos. Pessoas comuns, tendo seus momentos de excitação por estarem vendo algo diferente numa noite de terça. Olhei para o corpo. Pensei por um tempo na possibilidade desse presunto ser pai de alguém. Pouco mais de dez segundos depois, segui meu rumo para pegar minhas chaves de volta. Um amigo meu presenciou um assalto há dois meses atrás e ficou uma noite sem dormir. Vejo um cara decapitado e só volto a pensar nele uns dias depois, para pesar a efemeridade da vida. Garanto a vocês que tenho dormido como uma pedra. Será que sou normal? Será que sou normal no que se considera normal hoje? E se a sociedade estiver cada vez menos normal? Cara, preciso de uma ceva.

Meu melhor amigo está fazendo aniversário hoje. Já liguei. Já mandei scrap. Mas ainda não estou em condições de lhe dar um presente. Quem sabe depois do carnaval terei mais chances de presentear as pessoas que eu amo. Como eu disse no texto de ano novo, estou mudando as coisas, na marra. Ao menos ele sabe que energia positiva e torcida não falta por aqui. Mas daqui a um tempo. Sim. As coisas estarão melhores. Por ora, sinceros votos de felicidade e alegria sempre. Quando houver festa, me chama. Quando precisar de um ombro ou de um assassino profissional, me chama. Me chama sempre e sempre estarei aí.

Carnaval. Época de descontração. Orgias. Bebedeiras. Que nada. Como sempre, usarei esses quatro dias e meio para visitar meus parentes em Santa Catarina. Minha mãe, minhas irmãs e minha filha. As mulheres da minha vida. Não há grana para festas. Menos ainda para orgias. Não. Deixo de ser um cara mau nesses quatro dias para tentar amenizar essa distância toda. Os exus poderão ficar descansados comigo. Há mais podridão para darem conta por aí no carnaval.

No mais, tenho tirado um tempo para minha solidão imposta. Não por mim. Pelas escolhas. Tenho repensado algumas coisas. Tido a certeza de outras. Continuo com uma saudade louca dos meus filhos. Continuo com uma saudade louca das filmagens. Continuo sozinho.

Mas continuo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Pancadaria.

Após um recesso de um mês sem filmagens, eis que matamos três coelhos do curta Os Batedores no decorrer desta semana. Era para ser quatro orelhudos, mas o péssimo tempo de sábado quis que pedalássemos as cenas do Ligeiro para março. Destino. Um male que vem para o bem, talvez.

Vamos à cena do flashback no Hospital. “O Homem” acorda de seu coma de cinco anos com sede de sangue. Jack Gerchmann entra de sola no curta e empresta seu vozeirão para ecoar nos corredores do Hospital Moinhos de Vento, que apoiou o projeto de tal forma que até uma enfermeira ficou disponível só para nos auxiliar com os aparelhos e bandagens. Na suíte do HMV, uma equipe enxugada se esforçava pra fazer o mínimo de barulho enquanto produzia efeitos de relâmpagos. A enfermeira amarrava a cara de medo ao ouvir o Jack repassando o texto de Amadeu Deodato, enquanto colocava o soro no “paciente”. Duas horas e vinte minutos depois de chegarmos ao hospital (duas horas de produção, filmagem e desprodução e vinte minutos na tentativa desesperada de tirar uma lente de contato do olho do Jack), já estávamos encerrando as atividades da filmagem de sexta.

Domingo. Dia de sol. O comboio parte de Porto Alegre rumo à Sapiranga, cidade das rosas. Além de rosas, a cidade também tinha o banheiro de um posto de gasolina, ideal para a fatídica cena do banheiro onde Raul (Marco Soriano Jr.) levaria um atraque de Tosco (Eduardo Ribeiro). Eu não tinha muita noção do que o Filipe estava planejando para a cena, mas se o Ghiorzi estava no local, boa coisa não era. Nosso mestre dos efeitos veio com sua inseparável valise verde, com toda sorte de cicatrizes, ampolas e tonalidades de sangue falso. A Lisi, maquiadora que também tem uma certa predileção pela fabricação de machucados, observava enquanto o Ghiorzi arrebentava o Marco antes mesmo dele apanhar em cena.

Banheiro interditado, vasos sanitários higienizados (Henrique e eu pagamos nossos pecados), luzes prontas, atores em posição: começa a peleja. Raul tenta sair do banheiro. Tosco não deixa e ignora. Joga o infeliz feito um saco de batatas de um lado para o outro. Dava pra ouvir o barulho e os gritos do lado de fora do set. Enquanto os atores se digladiavam no banheiro, os chamados “machos” de Sapiranga contorciam o rosto por serem obrigados a usar o banheiro feminino. Um deles bradou:

- Não vô em banhero de muié porque eu não sô gay. Eu sô machista.

Chicão, pai da Gabi, que havia dado carona pra metade da equipe, balançava a cabeça de olhos fechados em sinal positivo, concordando com o sujeito. Não demorou muito para que os sapiranguenses começassem a aloprar com seus carros e seus vanerões, prejudicando nosso som. Gabi e Fernanda uniram forças para pedir gentilmente para baixarem o som. Funcionou muito bem com o primeiro carro. No segundo, elas voltaram frustradas, pois tinham sido ignoradas por dois magrões fankeiros, que aumentaram o volume. Em uma pausa entre takes, o Tosco foi falar com eles. Reza a lenda que foi mais ou menos assim:

- Ô meu, as gurias vieram pedir pra abaixar o som e vocês ignoraram. Nós estamos filmando, pagando locação e, se tu quiser, eu vou me incomodar contigo.

- Bah, mas tão filmando mesmo? Foi mal. Respondeu o magrão, praticamente mijando de medo.

Imediatamente o som foi desligado e os pneus cantaram. Edu voltou feliz para o set. Tão feliz que socava o coitado do Marco com sorriso no rosto. Nos empolgamos tanto com o resultado que até colocamos o Tosco pra falar em cena:

- Perdeu, Cara! Gritava o brutamonte, emendando um chute no estômago de Raul.

O Márcio parecia o Homem-Aranha, pulando em cima dos boxes e filmando a pancadaria de um plano aéreo. Lá embaixo, Tosco jogava Raul box adentro e o puxava de novo pra mais porrada. Chute, sangue, cabeçadas nos azulejos e o vôo final, onde o Jéferson, nosso coreógrafo, nos indicava a melhor forma de arremessar o pobre Raul em direção à câmera sem machucá-lo (muito). O Circo Girassol nos cedeu alguns colchões para essa cena. Marcelo, Henrique, Jé e eu segurávamos firmes os tais colchões. A Cíntia segurava a câmera do making of, que não deve me deixar mentir: o Marco voava, literalmente falando.

Já havia um clima de hostilidade na rua por parte dos habitues do posto quando o Diretor gritou:

- Temos!

Ouviu-se palmas da equipe. Sorrisos. Satisfação de dever cumprido depois de tanto tempo sem filmar. E que cena. Era a nossa “Paixão de Cristo” particular, onde o Marco Soriano Jr. era o Jim Caviezel. Me disseram que, no dia seguinte, Edu e Marco estavam tão quebrados que um deles pediu para ser levado ao HPS. Adivinhem qual dos bixcoitos pediu isso???

Ontem...

Correria mambembe para gravações de inserts de apresentação do Tosco. Como o Edu está para ir ao Rio (epidemia entre atores nesta época do ano), decidimos matar de vez as cenas com ele. 19:30h de uma terça-feira no Centro não é bem uma coisa habitual, mas o pessoal estava lá. Rua 24 horas. Edu trouxe figurantes de Canoas, Jack trouxe mais alguns. O Cristian logo chegaria para ser esmagado, pois tinha a nuca certa para esta cena. Até a Gabi entrou na roda. Nos inserts, o Tosco brutaliza: passa por cima de um pacato cidadão, rouba bolsa de gentis senhoras, atravessa uma família no meio, vira um desafortunado de cabeça pra baixo e o chacoalha para ver se cai alguma coisa, esmaga um crânio. Aaaaaaaahhhhhhhhh, estraguei a surpresa? Que nada. Vocês têm que ver para crer. O Edu nasceu pra esse papel. Os figurantes estavam perfeitos. Enfim, nada do que eu disser ou descrever aqui paga o produto final, que vai ficar simplesmente espetacular.

Terminamos as filmagens já com aquela nostalgia. Próxima filmagem só depois do carnaval. Merda. Mas fazer o quê. Foi nosso último dia com o Edu e já estou com saudades do gordo. Relatos dizem que ele levou Diretor e Diretor de Fotografia para tomar uma ceva em Canoas e contou histórias tão assombrosas que fez as minhas parecerem brincadeira de criança.

Temos um novo mestre, senhoras e senhores.=P

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Ano vai. Ano vem.

Primeiro texto do ano. A sensação de que eu devia fazer um balanço me preenche. Mas não é forte o suficiente para que eu o faça. Balanço sobre o ano que passou só traria frustração. Desgraça. Atrairia o mau kami para este novo ano. Ninguém quer isso, quer? Nada de bom aconteceu no ano-que-não-devemos-dizer-o-nome. Minto. Foi um ano sórdido, mas duas coisas devem ser enumeradas.

Cinema. Cinema de guerrilha. Arquivo Morto. A produtora independente mais cool de Porto Alegre reuniu várias cabeças em um sítio de Mariana Pimentel. Fim de semana isolado. Bucólico. Zumbificado. O BBZ criou vida e saiu da nossa imaginação fértil para ser o curta mais difundido da AM. Selecionado em dois festivais de cinema fantástico. Nada mais justo.

Cinema. Cinema de guerrilha. Arquivo Morto. O projeto mais audacioso da produtora até hoje atende pelo nome de Os Batedores. A idéia partiu de um banco de praça. Lia meu livro. Ao meu lado, um batedor de carteiras conferia a pilhagem do dia. Corri pra casa. Comecei a escrever. Roteiristas são pessoas engraçadas. Olham para alguém atravessando a rua e criam. Olham para um menino pedindo algodão-doce para o pai e criam. Sou roteirista. Não sou diferente. Equipe nova, pessoas novas. Outrora desconhecidas. Hoje são praticamente irmãos. Pegam junto e não largam até que o último take seja aprovado e a turma volte exausta pra casa ou pra Cidade Baixa. O que vier primeiro. E que cenas. Equipe esforçada. Elenco de primeiríssima linha. Estamos criando. Uma obra. Prima. Nada mais justo.

Sou suspeito. Dane-se. Verdade deve ser dita. Ano de merda este que passou. Comecei o ano numa situação e terminei com ela mil vezes pior. Conheci pessoas que teria o maior prazer em desconhecer. Mas também conheci pessoas maravilhosas. Comecei trabalhos épicos. Meus filhos cresceram lindos. E continuam crescendo lindos. Ela indo pra terceira série. Ainda tão longe de mim. Ainda tão carinhosa. Ele, um gênio. Perto, mas também tão longe. Também carinhoso.

Dizem que essas coisas são o que conta para o tal balanço que eu não queria fazer. Os que não me conhecem, se eu contasse passo a passo meu trajeto neste ano que passou, provavelmente chorariam comigo num cantinho sujo. Papel higiênico para enxugar as lágrimas. Verdade. Não sou deprê. Sou complicado. Dizem que é diferente. Mas dizem tanta bobagem por aí...

Enfim, cansei. Este novo ano, este 2008 novo, redondo, dizem que promete. Viramos a virada e nada mudou. A orla do Guaíba continuou fétida. A champanhe continuou barata. Minhas contas continuaram a assolar a mente. Mas as pessoas que conheci e que quero que fiquem comigo para sempre continuam por perto. Os Batedores continua sendo rodado. Meus filhos continuam lindos. As poucas coisas boas que consegui angariar neste ano que passou ainda estão aí. Todas elas. Algumas coisas ruins ainda persistem. Mas outras vieram e foram. Caíram. Pensando bem, isso é algo de bom, não?

A vida não mudou na virada. Mas é certo que as coisas vão melhorar e mudar neste novo ano. Neste 2008 que nos reserva surpresas. E o que não mudar pra melhor por si, será mudado na marra. Sem muito alarde. Meu destino quem controla sou eu.

Invariavelmente, este ano que chega será melhor. Bem melhor.